O modelo Tales Cotta, de 26 anos, sofreu um mal súbito e faleceu enquanto desfilava na passarela do São Paulo Fashion Week 2019, um evento de muita importância e que envolve o esforço e recursos de muitas pessoas.
Uma situação muito peculiar, porque essa morte não é contabilizada como uma estatística, mas como uma experiência próxima, pessoal e intransferível, colocando todas as pessoas presentes e todas, também, as que tiveram acesso à notícia, diante do despreparo que a humanidade tem diante da morte, pelo menos, despreparo esse evidente na civilização ocidental.
O que um médico deve fazer diante de um paciente que não aguenta mais ser invadido com os devidos tratamentos? Em que momento o profissional há de começar a tomar medidas que o confortem e encaminhem a um falecimento, o menos traumático possível?
Todos os dilemas são postos sobre a mesa do jogo nesse instante derradeiro, porque do lado de cá, dos que ficamos encarnados, nunca temos certeza de qual seria a melhor atitude.
No caso do modelo falecido na passarela, se deveria ter suspendido todo o desfile? Seria essa uma atitude realmente adequada? Ou não ressoa na mente o próprio Freddy Mercury cantarolando “Show must go on! Show must go on!”
É certo que o show da vida deve continuar, porque continuará mesmo assim, gostemos disso ou não.
O minuto de silêncio diante do falecimento de alguém não é mera formalidade, é o mínimo de respeito que qualquer um de nós há de ter diante do mistério da morte, pois, diante dela, que comentário fazer que não seja brega e ignorante, confissão de nossa incapacidade de lidar com este evento tão importante?
O minuto de silêncio foi feito, porém, fico pensando, quantas pessoas respeitaram esse minuto de silêncio? Quantas pessoas, no afobamento de verem tudo subvertido, um evento que custa tanto esforço e dinheiro, se fecharam em suas preocupações particulares sem prestar um minuto de seu tempo para render homenagem?
O minuto de silêncio diante da morte é intencionalmente suspender nossas preocupações mentais, emocionais e físicas, nos abster de fazer comentários com a língua ou com a mente.
Não sabemos quem era o Tales, para o efeito de nosso melhoramento como pessoas, ele nos brindou com a oportunidade de, mais uma vez, nos confrontar com o mistério da vida e da morte, e dos dilemas que temos quanto às interrupções ou quanto à continuidade da vida, mesmo após a morte.
PS: Alguns dias depois de escrever este artigo li no jornal o depoimento da mãe de Tales, que disse em claro e bom som que a decisão de continuar com o evento foi acertada.